O mundo que podíamos tocar
- Marcos Ferri

- 12 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de mar.
Lembre-se sempre, o ser humano é um ser social...
Por Marcos Ferri

Estou com saudade do mundo que conheci um dia. Um dia distante, antes de tudo se tornar digital. Coisa de velho? Talvez. Sempre me pergunto qual é o problema comigo… Pode ser uma questão do universo, e não necessariamente minha.
Por Deus, estou divagando sobre nada…
Na verdade, estou com saudade de um mundo no qual podíamos tocar, sentir. Dos tempos em que era comum termos mais relações presenciais e menos cyber (isso é tão curso de informática da era pré-Orkut).
Morro de nostalgia de andar pelas livrarias, de observar pessoas folheando, mesmo de forma aleatória, livros, revistas e até jornais nos trens, metrôs, praças e pontos de ônibus. Não era tão comum, mas existia de forma mais orgânica que na atualidade.
O brasileiro nunca foi um leitor ávido. Na verdade, antes, o leitores existiam em porções mais notáveis. Hoje, quase todos trocamos o conforto de páginas amarelinhas e agradáveis pelas telas dos smartphones. Tenho a sensação de que hoje os escritores escrevem para outros escritores. Isso é tão deprimente.
Bons autores não têm mais o Programa do Jô para apresentarem suas obras (sonho bom de um tempo não muito distante). Hoje, a relevância é menor, e a Conversa com Bial busca “temas mais interessantes” e, por motivos maiores que todos já sabem, via videochamada.
Publique um livro físico, perca-se na tentativa de vender e faça os outros perderem um rim para comprar… digital é mais barato. Ah! E não ganhe também.
Este texto, escrito para ser lido em computadores e… (rufem os tambores) smartphones (por ironia ou falta de opção mesmo), também fala sobre tudo o que estamos perdendo. Tente anunciar a venda de um apartamento ou procurar um emprego, e você vai me entender.
Exemplifico com um imóvel: o corretor ou corretora pedirá uma dúzia e meia de fotos da sua casa, a sua suada casinha, para anunciar em um site com bom acesso (sendo isso bastante relativo, já que dois acessos por mês na sua publicação podem ser bons para eles). Não querem saber mais de nada e te jogam em um mar virtual.
Você não vê a cara de ninguém. Não ouve ninguém. Poucos questionam sobre as qualidades da sua residência, a boa vizinhança, os adereços da última reforma, o planejado em ótimo estado na cozinha. Apenas definem um valor médio pelo local, junto da metragem. E boa sorte.
No mundo dos currículos, o seu CV cai no meio de milhões de candidaturas. Você sempre vai preencher zilhares de formulários com suas experiências e escolaridade, independentemente do perfil impecável do LinkedIn ou do PDF completo anexado à vaga.
Pode apostar, o recrutador irá, quando muito, ler a primeira linha, seu último cargo e formação. Sem contar os testes pré-programados que te mandam. São sempre iguais. Circule do lado direito ou do lado esquerdo para entender seu perfil. Uma colega me alertou para isso.
Questões intermináveis que não revelam quase nada sobre quem realmente você é. Se tem ou não o gabarito para enfrentar o desafio imposto pela tal empresa. Não se deprima. Acredite que, na maioria das vezes, você é mais que capaz, mas a frieza da Internet jamais possibilitará isso. Infelizmente, é dessa maneira. Eles não te conhecem.
O home office tão sonhado, na maioria das vezes, não tem muita vida. Clientes virtuais, reuniões virtuais, decisões virtuais. As aulas on-line, tão em voga, sem colegas, sem um professor para questionar levantando a mão, apenas chamando no chat ou mandando um coração.
Lives musicais… não vou me dar ao trabalho. Consulta médica on-line é prático, mas…
Acorda e dorme em frente ao seu celular, seu computador. É, Mano Brown, acho que eles estão realmente valendo mais que nós.
Saudade da visita do corretor. Do olho no olho. Da análise minuciosa do seu piso de madeira sem riscos. Lembrança boa do curriculum vitae sendo lido na sua frente, naquela agência do centro da cidade, antes de seguir para outros crivos e entrevistas iniciais.
A democratização da web nos colocou em ilhas, transformando-nos em escravos de telas touchs, as únicas coisas que ainda podemos tocar. E isso não é só por causa de uma tal pandemia. Era um caminho esperado, já trilhado há bastante tempo.
Era mais cansativo cortar a cidade para cada obrigação? Com toda a certeza, mas era real, não algo frio e perdido no infinito dos algoritmos e buscas do Google.






