Então, cansou...
- Marcos Ferri

- 15 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 15 de jun.
E + uma dica de música
Por Marcos Ferri

O prédio da minha mãe via uma tinta de tempos em tempos. Era de três em três anos, de cinco em cinco. No ápice da disposição dos rateios, anualmente, e reformas mais ousadas e melhorias.
Branco e verde, branco e azul, bege e vermelho. Assembleias animadas de condomínio e acordos ambiciosos. Era sempre assim. Muito embate, mas várias decisões. Para-raio implantado, antena coletiva, aterramento de fios, circuito de câmeras, portão automático, tags de entrada, asfalto novo, vagas demarcadas, regras para bom convívio, piso brilhando.
Se soltava-se uma reles pedrinha, lá estavam os super membros da comissão para avaliar e restaurar o ponto.
Nova leva de cimento, bancos nas áreas comuns, jardins bem cuidados, arandelas.
Assim foi...
Havia planos para playground para as crianças e um salão de festas.
Tudo muito básico para a nova classe média, mas, para moradores de um prédio simples no subúrbio, aquilo era luxo.
As donas de casa, desfrutando, em sua maioria, do auge profissional de seus maridos, com filhos mais crescidos, se empenhavam em reformas. Quebradeira de azulejos, pias novas, armários de parede, massa corrida, gesso...
Os homens, já se aproximando da aposentadoria, investiam em carrinhos melhores para levar a família para passear no fim de semana.
Mas o tempo, meu amigo, o tempo é implacável.
E até as sombras daquela empolgação se dissiparam.
Paredes mofadas e sujas, acimentados à mostra, asfalto corroído, vagas demarcadas sumiram depois de anos de sol e chuva. Os pisos soltaram, e ninguém repôs.
As mulheres, ávidas por reformas e catálogos, envelheceram. Muitas enviuvaram. Os carros novos se tornaram ultrapassados, encostados na garagem ou vendidos a preços de banana.
O prédio, que reluzia como olhos animados de jovens posando na praia, agora soa apagado, como vistas cansadas com cataratas.
A vizinhança, antes tomada por espírito coletivo, se cansou de almejar um tempo novo e de sucesso, se contentando com o pouco — que é muito menos do que o merecido.
Não tem parquinho, pois quase não há crianças para aproveitá-lo. Silêncio.
Os móveis, parcelados em carnês infinitos, vão se esfarelando em cômodos que imploram por uma demão de tinta.
Eles cansaram...
Essa crônica combina com Arnaldo Antunes cantando "A Casa é Sua".






