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  • Foto do escritorMarcos Ferri

Ele não: carta a um amigo

Entenda, esse é um dos lados de um diálogo democrático de pessoas que pensam (ou pensavam) de formas diferentes

Foto: Mateus Bonomi /AGIF/Estadão Conteúdo


Atenção: esse texto foi escrito em dezembro de 2018... muito antes de muitas coisas acontecerem...


Olá, meu amigo. Tudo bem? Saudades de você, irmão! Em breve tenho boas novidades pra ti! :)

Desculpe a demora em responder. Vi seu questionamento e, de verdade, não estava nenhum pouco a fim de falar sobre este assunto, pois essas eleições me deixaram muito chateado. Não pelo fato do PT não ter ganhado, até porque não defendo partido, defendo políticas na prática. Vejo o PT como um antigo projeto que acertou muito, mas que também errou feio ao se corromper. Não mais, mas igual a outros partidos sujos, como o MDB, o DEM, o PP, PSDB e tantos mais de maneira mais ‘velada’, mas não menos hipócrita. Por outro lado, fez mais que a grande maioria. Sem dúvida. Conheci vagamente o Fernando Haddad em coletivas de imprensa e vi nele um sujeito bem sereno e que poderia fazer mais, caso tivesse um bom aporte, mesmo vendo nele pouca experiência para um cargo de tamanha importância. O grande problema do Haddad seria encontrar nomes honestos dentro de um partido corrompido e alvo instantâneo diante tantas críticas. E também não boto a mão no fogo por ele e nem por outro político. Dente aberto e bom discurso podem ser só ilusão. Atenção sempre. Nem vale aqui falarmos da prisão do Lula, mas abro um pequeno trecho. Acho a sentença parcialmente justa, o que não acho justo é ver outros políticos cometerem crimes iguais ou piores e saírem ilesos, como o Aécio Neves. A Dilma, só para fechar, eu nunca a vi como uma corrupta, nem a justiça mostrou isso, mas como despreparada. Algumas decisões equivocadas e um pulso firme em não se deixar levar pelos malabares da corrupção. Seus erros e acertos doeram e abriram caminho para uma crise. A oposição aproveitou a onda. Era a chance que tinham. Eles se uniram para estancar a sangria contra os desvios de conduta. Um circo de horrores. Mas juro por Deus, nada disso é razão para eu aderir o tal do slogan chato do #elenão. Conheci Jair Bolsonaro por conta de seus escândalos. Antes de tudo, sou um humanista. Se eu tenho fé e religião, elas só me servem por conta do amor ao próximo. Do respeito ao próximo. É o combustível para vivermos em sociedade. O Bolsonaro já ofendeu os negros, fez piada com quilombolas. Disse que um filho seu teria educação e por isso nunca se envolveria com uma mulher negra. Minha mãe é negra, meu avô é um legítimo negro, neto de escravos direto. Podem até dizer que tais ações não deviam ser levadas tão a sério, mas eu não consigo apaziguar tamanho descuidado com o ser humano apenas por conta da cor da pele. Mesmo se fosse uma brincadeira, certas brincadeiras não fazem o menor sentido. Ele já falou dos homossexuais com total desprezo. Como ele mesmo disse, ninguém é obrigado a querer um gay na família (mesmo que isso seja de uma crueldade profunda), mas a acolhida faz parte do papel cristão. De qualquer maneira, para não misturar alhos com bugalhos, no papel de homem público, no dever prezar pelo bem comum de maneira isenta, não poderia segregar seres humanos pela sexualidade. Falar que preferia um filho morto a um filho gay, ou que uns tapas resolveriam tudo, além de cruel é de uma ignorância sem fim. Se ele acredita nesse tipo de cura, ele é muito inocente ou um tirano (acredito mais na segunda opção). O tal do Kit Gay nunca existiu da maneira como ele falou. A justiça até o proibiu de se pronunciar a respeito. Se por acaso alguém criou aquela apostila, ela não foi liberada para as aulas do ensino público. A situação foi distorcida. Vale lembrar que a educação sexual é importante, mas com o máximo de cautela. Concordo plenamente que não podemos atingir a pureza das crianças e jovens, mas prepará-los para uma vida saudável e pregar o respeito. Nada mais que isso. A casa e a igreja, caso sigam, elas sim, devem ajudar a criar valores e determinar uma ação. A liberação das armas para mim é outro ponto muito grave. Eu não consigo concordar que a arma sequer devesse ter sido criada. O armamento foi feito com um único fim: ferir e matar. A polícia usa para combater o crime, pois não há nos dias atuais outra opção. Sim, temos de desarmar o criminoso e essa não é uma tarefa nada fácil, mas armar a população é um risco enorme de erros e mais erros. Não é à toa que a própria polícia orienta as pessoas a não reagirem a um assalto. O criminoso é um cara consequentemente mais frio. Se você e eu, o tal do ‘cidadão de bem’ (que lastimável expressão), tem uma arma, o risco de nunca saber usá-la é grande. Poderia matar o bandido, mas poderia se ferir e morrer também. Além de que qualquer um no momento de destempero poderia cometer um crime hediondo. Poderia dar exemplos meus até. Agora imagine um cara agressivo, mas não um criminoso de fato, o que existe aos montes, brigando com sua esposa. Um garotão na balada sendo desafiado. Olha, não é bom nem imaginar. Nosso sistema carcerário é um caos. Tinha de corrigir e condenar o criminoso de forma rigorosa. Pena de morte não, pois nenhum homem na terra deveria tirar a vida do outro, mas punição severa. Se algo que concordo com o Bolsonaro é o fim das saidinhas, mas isso deve valer para todos, para os crimes de colarinho branco também. A nossa legislação precisaria de uma grande reforma. Afrouxar o porte de arma não leva a nada. E mais, o uso de armas não é proibido. O civil capacitado e treinado já pode possuir a sua. O afrouxamento é discurso tolo e oportunista. Sem ser 'vai com as outras', mas se o cara da faca que o atingiu de forma covarde estivesse com uma arma de fogo, o estrago seria ainda maior. Ele pregou várias vezes sobre isso e em um de seus discursos disse que ia ‘metralhar’ os adversários. Lamentável. Defendeu a tortura. Isso não se permite a ser humano algum. É aquém do caráter de qualquer pessoa. Inadmissível. Jesus foi torturado. Não existe coisa mais covarde que isso, ainda mais para um sujeito autointitulado cristão. Ele é fã de um torturador. Seu livro de cabeceira é sobre esse homem. Já o homenageou em discursos. Fora da realidade. Acho que qualquer pessoa que diz de fé, cristã ou de qualquer doutrina que se guia do amor, não poderia concordar com essas coisas. Segregação, morte e tortura. Isso tudo está registrado em vídeos. São coisas ditas por ele, nada disso sequer escrito, nada que de margem à manipulação. Tratou mal as mulheres. A discussão com a Maria do Rosário podia até ter fundamento (tinha ligação com o tenebroso caso Champinha), mas tratar uma mulher daquela forma é assustador. Ironizou a filha como uma fraquejada, o que caracteriza no mínimo um tremendo descuido da própria imagem e comprova uma grosseria nata. Se você concorda com ele, até sua mãe se trata de uma fraquejada. Pesado, não é? Ele mesmo declarou que indígena não teria um centímetro de terra em seu governo. Chamou comunidades indígenas de encostados. Voltando aos quilombolas, 'eles nem para procriar servem'. Só esse linguajar e saber que esse tipo de ideia passa pela cabeça dele já me elimina qualquer possibilidade de voto. Ele voltou atrás nessas e em tantas declarações. Como ser humano, naturalmente eu quero acreditar nisso. O ajudaria nessa redenção como gente, mas eleger um presidente com esse histórico é difícil. Ele sempre se mostrou contra corrupção, mas tem acusações de Caixa 2 em campanha, assumiu que recebeu repasses do partido que vinham de propina (caso ele realmente fosse 100% idôneo, denunciaria tal caso e sairia da sigla), tem fortes indícios de segurar funcionário fantasma ou, caso o termo seja injusto, podemos dizer remunerado com dinheiro público de forma aparentemente errada. Pode sim ter ajudado a impulsionar mentiras via rede que o ajudaram a se eleger. A maioria das acusações não foi provada, mas ainda caberia muita investigação. A história das Fake News, caso não tenham sido montadas por ele, foram de qualquer forma primordial para sua eleição. Pessoas de baixa instrução e também gente bem letrada caíram em várias mentiras pregadas por ele ou por adoradores. Talvez essa facilidade toda se deva às novas formas de consumirmos informação. Ainda estamos iniciando uma era que ninguém sabe bem como lidar. O WhatsApp e Facebook viraram um emaranhado sem lei. Os estudiosos não sabem onde isso vai dar. Muito menos eu nesse blog de cara lavada. Mas que é um terreno fértil para a mentira é. Num país democrático, ele não aceita críticas. Todos os políticos estão na mira de críticas e investigações. Ele colocou tudo isso no balaio de Fakes e tenta desmoralizar todos os veículos de comunicação. Concordo que alguns agem de má fé, mas não foi isso que vimos. Para contrapor, ele vê a Record, onde o dono o apoiou abertamente (isso não é ético), de maneira totalmente diferente. Isso é um tiro no peito da democracia e na liberdade de imprensa. Como jornalista, falo que isso é mesmo um crime. Outro ponto para eu tê-lo colocado longe das minhas opções de voto foi o despreparo. Era visível em todas as suas entrevistas a falta de consciência sobre os problemas do país. Ele até fez um programa de governo com alguns pontos interessantes, mas na hora de defender suas teses dava nitidez de sequer saber do que estava falando. Ok deixar na mão dos especialistas, mas um presidente precisa compreender e buscar formas para garantir as ações e definições de seus aliados e assistentes (termo que estou usando para seus ministérios). Entendo os problemas de saúde dele e a dificuldade de ir aos debates, mas o povo merecia saber mais das suas ideias e propostas. Na reta final, já liberados por médicos, com estúdios adaptados e até a possibilidade de um debate em sua casa, num formato exclusivo por conta de sua situação clínica, ele preferiu se abster por questão estratégica. Falou antes que discutir política não leva a nada. Não é discutir política, é discutir propostas em público. Era a oportunidade de muitos de nós realmente entender suas ideias e defendê-lo ou criticá-lo, mas com base sólida. Agora, se preparando para o poder, começa a cumprir promessas que muitos dos que votaram nele não tinham sequer conhecimento, como a unificação de ministérios. Agricultura e Meio Ambiente juntos é o mesmo de entregar as galinhas nas mãos das raposas. A bancada ruralista comemora. Antes ele já tinha defendido que tiraria o Brasil de importantes tratados e até da ONU. Também falou que certas áreas de preservação era um exagero. O pulmão do mundo comprometido por alguém que aparentemente não sabe ou não quer saber o que isso significa. Posso falar também das prováveis junções do Turismo com Cidades, misturando lé com cré. O que pode (não posso afirmar) prejudicar o ramo que hoje paga as contas da minha casa (eu e minha noiva trabalhamos numa empresa de turismo e sei o que possíveis práticas podem afundar o nosso patrimônio). Além de que Cidades é um ministério carente e culpado por diversos problemas urbanísticos. Há especulações para Cultura, o que pode ser muito ruim. Somos um país no qual a cultura nasce por conta de valores de casa, pois o incentivo governamental é mínimo. Precisamos reverter isso, não colocar como uma coisa de segunda linha. Políticas para a saúde do nosso país, que é tão carente, não soube de nenhuma desde o momento da campanha até agora. Segurança ele resume com a liberação de armamento e carta branca da polícia para matar (‘e se morrer inocentes, paciência’, disse ele algumas vezes). Educação só o argumento da militarização escolar, mas sem aprofundamento. Ele que pregou contra corrupção e usou isso como bandeira para tirar o rival do páreo, hoje já forma base com condenado em regime semi-aberto e com político que assumiu receber propina. Por fim, toda essa postura dele ajuda a legitimar ação de outras pessoas. Casos de agressividade já foram registrados. Em seu nome, uma discussão política terminou em morte. Aliados seus já fizeram chacota com a placa de rua que homenageia uma pessoa assassinada. Pessoas gravaram essa semana vídeos, postaram fotos e escreveram nas redes sociais que matar ‘negraiada’, ‘viados’ e ‘petistas’ estava liberado com Bolsonaro no topo do país. Aquela velha história de que palavras têm poder. As do Bolsonaro têm também. Uma escola indígena foi incendiada também. É por essas e tantas outras que não voto e jamais votarei nele. Poderia ser qualquer um que tivesse vencido as eleições, eu não teria tantas críticas. Fosse Haddad, Ciro Alkmin, Amoedo, Marina, Meirelles, até Daciolo ou Boulos. Facas de gumes opostos, com erros aos montes, mas sem essa visão deturpada de ser humano. Por tudo, vejo o slogan da campanha dele como blasfêmia, como jeito de usar o nome de Deus em vão. Meio de manipular pessoas de fé a acreditar em algo que ele não pratica. Além de colocar outras doutrinas de forma marginalizada. Há budistas e frequentadores de religiões afro sendo vistos como gente do lado do mal. Isso é perigoso e não é de hoje. Temos que tomar muito cuidado com qualquer discurso que possa causar divisão. Forte abraço, meu amigo! Fique com Deus.

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